Enquanto muitos querem um revólver, juiz que foi ameaçado decidiu se desarmar

Em 15 de janeiro deste ano foi publicado decreto presidencial para regulamentar a posse de arma de fogo no Brasil. Pelo texto, cumpridos os requisitos, o cidadão poderá ter posse de até quatro armas. Muita gente se animou e manifestou o interesse em comprar uma arma para se proteger ou para proteger a família da violência. Entretanto, nem todo mundo pensa assim. Há até quem mesmo podendo andar armado, decidiu ir contra a corrente e se desarmar.

O juiz José Henrique Kaster Franco, 44 anos, veio para Mato Grosso do Sul há 17 anos, quando ingressou na magistratura. Por já ter atuado em varas criminais e ter recebido ameaças, tinha porte e andava armado. Três situações fizeram com que ele mudasse de ideia e entregasse a arma à Polícia Federal. Ele afirma que portar uma arma realmente dá a sensação de segurança, mas, na prática, a situação é outra.

“Ter arma gera uma ilusão de segurança que acaba aumentando os riscos para as pessoas. Não só porque a gente não evita crime, se alguém quiser te assaltar, te espera e te pega de surpresa. Ela não evita, por exemplo, estupro, mesmo porque a gente já sabe que a maioria dos estupros acontece em casa, às vezes com gente que é até amigo da família e as vítimas são crianças na maioria”, explica o juiz.

Na fronteira – Franco atuou em Ponta Porã, entre 2006 e 2009. Nessa época, andava armado após o julgamento de um caso que envolvia o diretor de um presídio.

“Eu tinha essa falsa sensação de que a arma evita um crime. Até que eu era juiz na fronteira e tive um problema com um diretor de presídio, que tive que afastar, porque ele vendia regalias aos presos. Eu andava armado e um dia eu fui à padaria e vi que duas pessoas pararam do meu lado, em motocicletas. Eu vi que até eu me lembrar da arma e tentar sacar, eu já estaria morto”, relembra.

Apesar de ter percebido ali que, mesmo sabendo atirar, nada garantia que ele conseguiria lidar com um ou mais criminosos que tentassem atacá-lo, ele permaneceu com a arma.

Furto de arma e o PCC – O juiz então foi para Nova Andradina, onde atuou em um caso envolvendo a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Ele recebeu ameaça e outra situação fez com que ele repensasse ter uma arma em casa.

“Tinha duas armas e me roubaram uma de dentro de casa. Eu era juiz da cidade, todo mundo me conhecia e mesmo assim levaram. Mas, eu insisti na arma com a falsa ilusão de que eu poderia me defender.

Até que eu julguei um conjunto de processos que envolvia membros do PCC. Alguém ligou na promotoria e disse assim: nós vamos entrar na casa do juiz e da juíza [a mulher dele também é juíza]. Foi a minha arma que me ajudou e me protegeu? Nada. Eu tive que acionar a Polícia Militar. A minha arma não adiantou de nada”, avalia.

O filho – O terceiro episódio fez com que o juiz desistisse e entregasse a arma à Polícia Federal. O filho, que na época tinha oito anos, pegou a arma, que ficava guardada em cima de um armário, e mostrou para um amiguinho.

“O pior foi o dia em que a minha mulher me ligou desesperada, que a mãe de um amiguinho do meu filho falou com ela, dizendo que o meu filho mostrou a minha arma. A gente ficou chocado. Colocou a vida do meu filho em risco e a vida do menino que estava na minha casa.

A decisão de entregar a arma à Polícia Federal envolveu as três situações e a experiência como juiz e estudando a área. Franco diz que a mulher, apesar de também poder ter uma arma por conta da profissão de juíza, sempre foi contra.

“Ela não tem [arma] e odeia. Ela pode ter arma e sempre achou que não deveria ter em casa. Eu demorei anos para aprender o que ela já sabia. Eu aprendi que não adianta nada. Imagina se há um disparo nessa situação dos meninos? A gente acha que esconde as coisas das crianças, mas não dá para segurar a curiosidade de uma criança”.

Mais armas, mais riscos – Franco é doutor em direito penal e estuda a área. Ele explica que há estatística que apontam que andar armado aumenta o risco para a pessoa.

“Depois desses anos, teve mestrado, doutorado e pós-doutorado. A maioria [das estatísticas] fala que, você estar armado não só não te ajuda em nada, mas aumenta o risco de você ser vítima de homicídio, aumenta os riscos de violência doméstica, porque a arma acaba sendo usada pelo próprio esposo para ameaçar e às vezes até para matar. Muitas armas acabam como a minha arma, furtada e entrando no mercado ilegal”.

Franco cita ainda que para cada porcentagem de armas que entram no mercado, aumenta o número de homicídios. “Tem um monte de estudos sobre isso. Aqui é o país que mais mata gente por arma de fogo no planeta. É como se você vivesse em um país cheio de diabéticos e agora, dizer que para combater diabetes, o governo vai liberar o uso de açúcar para o povo todo”.

Um dos argumentos que sempre são levantados em favor da posse de arma é segurança das mulheres, no sentido de que ter uma arma em casa evitaria assaltos e estupros. Sobre isso, o juiz diz que a maior parte dos casos de estupros não são de invasões em casas.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here